O livro “Sob o céu de junho: as manifestações de 2013 à luz do materialismo cultural”

0

Entrevista com o autor, o Professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMA, Fábio Palácio

 

ADALBERTO JÚNIOR – A obra faz uma análise do que aconteceu em 2013, e o senhor demorou um tempo maturar essas ideias. Esse tempo foi bom para raciocinar e tentar absorver tudo que aconteceu?

FÁBIO PALÁCIO – Apesar de que já se passaram 10 anos, eu não comecei a refletir sobre as manifestações de 2013 exatamente agora. Já há alguns anos que eu venho estudando e fazendo reflexões sobre aquele acontecimento bastante enigmático. Cinco anos atrás, eu já havia publicado um artigo também com esse mesmo título, “Sobre o céu de Junho”, que foi publicado numa revista científica Juventude.br. E do ano passado para cá, eu resolvi aprofundar meus estudos. Na metade do ano passado eu tomei a decisão de escrever esse livro, que vem agora a público, e, de fato, como você fala, um bom tempo já se passou. São 10 anos, e mesmo já com toda essa década decorrida, como eu falo na introdução, eu acho que ainda hoje os acadêmicos, os analistas, os sociólogos ainda devem um entendimento mais delineado sobre o que de fato se passou naquele período. Foi um movimento complexo, amplo, heterogêneo, cheio de significados, de vertentes, com muitas etapas. Você deve se lembrar que a coisa começou em junho, mas se estendeu até o final de 2013, e alguns chegam a dizer que, na verdade, foi um ciclo longo de protestos, que teria durado até a Copa de 2014. Então, um movimento, assim, com muitas etapas, que ocorreu em vários lugares e que tem diferentes perfis… é muito diferente se você fala de 2013, em São Paulo, no Rio, em Florianópolis, em Recife, ou em São Luís, que também teve um 2013 muito grande, muito forte. As pessoas provavelmente se lembram da época da Ponte do São Francisco inteiramente tomada pelos manifestantes. Assim, é um movimento que revela uma complexidade, uma heterogeneidade muito grande, que eu procurei equacionar nesse livro, e que teve desdobramentos posteriores para raciocinar. Sobre os 10 anos seguintes, os desdobramentos, a fórmula que eu uso para raciocinar é a seguinte: nem 2013 pode ser reduzido ao que veio depois, e a gente sabe que depois houve uma ascensão forte da extrema-direita, o impeachment da Dilma, prisão do Lula, eleição de Bolsonaro… Mas eu acredito que, nem 2013 pode ser reduzido ao que veio depois, e nem pode ser completamente separado do que veio. A gente precisa encontrar os liames corretos entre as manifestações, entre as chamadas Jornadas de Junho e os desdobramentos posteriores. Evidente que é um tema muito complexo para a gente desenvolver num tempo curto. Escrevi um livro sobre isso, e que eu procuro detalhar, traçar direito essa relação entre as duas coisas. Mas, enfim, a fórmula que eu uso para raciocinar é essa: nem se reduz ao que veio depois, e nem pode ser separado do que veio depois.

ADALBERTO JÚNIOR – De que forma o contexto internacional influenciou aquelas movimentações?

FÁBIO PÁLÁCIO – Bom, em primeiro lugar é preciso a gente registrar que 2013 é parte de um ciclo de protestos globais, que inclui as revoltas egípcia e tunisiana, o movimento dos indignados na Espanha, o Ocupy Wall Street nos Estados Unidos. Todos esses movimentos aconteceram em 2011. Esse ciclo de protestos segue até 2013, com o movimento que ocorreu na Turquia, em torno da ocupação do Parque Zuccotti, ocorre mais ou menos ao mesmo tempo que 2013. Tanto que, na época do movimento que foi forte nas redes, o Junho Brasileiro, muitas hashtags naquele momento falavam exatamente do movimento na Turquia. Foi um ciclo de protestos globais que curiosamente vem na esteira da grande crise global de 2008. É um movimento diretamente relacionado. A gente lembra que logo após a crise de 2008, ocorre um processo de resgate dos bancos que estavam em dificuldades, das instituições que estavam em dificuldades, e para isso, são usados os fundos públicos para resgatar esses bancos. É evidente que esse dinheiro precisa ser tirado de outro lugar, e gerou corte de verbas para programas sociais, desemprego, arrocho salarial. Isso vai desaguar, então, nesse ciclo de protestos globais de 11 a 13. No entanto, esse ciclo não conseguiu oferecer efetivamente alternativas de mudança, por uma série de motivos que eu discuto no livro, relacionados à dimensão política subjetiva do movimento. Nenhum desses movimentos efetivamente resultou numa mudança profunda, numa transformação autêntica, e logo depois, então, a partir de 2014, 2015, a direita global, se aproveitando do rescaldo de um movimento que não tinha sido capaz de criar alternativas, reage à transformação, estudando esses movimentos, aprendendo também com elez, passa a se colocar como alternativa de mudança, a meu ver, uma falsa alternativa de mudança. Ou seja, à medida que os movimentos sociais realmente populares não conseguiram oferecer essa alternativa, a extrema-direita acaba, a partir da observação atenta desses movimentos, de uma apropriação da linguagem deles, se colocando no período posterior como uma alternativa de mudança, ainda que uma falsa alternativa. Isso aconteceu no Brasil também. O que eu procuro explicar no meu livro é como a direita, no período posterior a 2013, procura investir intensamente em novos modelos de associativismo civil, que ela viu exatamente em 2013, que ela observou atentamente, e busca decalcar aquilo ali em movimentos, como MBL, Vem Pra Rua… que tentou copiar as formas surgidas em 2013, mas dando um conteúdo de direita. Isso permitiu uma ascensão. De certa forma, eu diria que a direita usou o movimento de 2013, a partir de muito investimento de quadros que se debruçaram sobre aquilo para estudar aquele processo. Ela conseguiu transformar 2013, usar 2013 como alavanca para a construção da nova hegemonia liberal conservadora que viria depois.

ADALBERTO JÚNIOR – Trazendo para a atualidade, qual a sua análise desse o conflito que está acontecendo agora, entre Israel e o Hamas. Há uma tentativa, também, de trazer essas discussões pro ambiente político local?

FÁBIO PALÁCIO – Olha, o que eu percebo é que a gente viu ano passado, com a eclosão do conflito na Ucrânia, e agora a eclosão de um novo conflito, lá no Oriente Médio, que na verdade é uma coisa latente, que tá o tempo todo vindo à tona. Não é uma guerra que começa agora. Essa guerra entre Israel e os árabes, no caso os palestinos, o que a gente percebe é que nós vivemos um mundo de instabilidade muito grande, em guerra, uma série de conflitos, de choques entre povos e nações, que estão eclodindo o tempo todo, em vários locais do mundo. E o que a gente precisa se perguntar é: quais são as causas dessa instabilidade permanente que o mundo vive? E eu localizo essas causas, no mundo de desequilíbrio, nos profundos desequilíbrios sociais econômicos e de poder. Nós vivemos num sistema capitalista que passa por uma crise muito grande, que não consegue incluir as pessoas na renda, no emprego, e isso gera, naturalmente, uma série de disputas que também assumem esse caráter geopolítico, disputas por terras, disputas por mercados. Na verdade, o mundo não tem só a guerra da Ucrânia e a guerra de Israel contra os palestinos. Está qualhado de guerras. Existe conflito no Iêmen, uma série de outros acontecendo. Eu acredito que isso pode ser debitado ao fato de que a gente vive um mundo de profundos desequilíbrios, e não vamos alcançar uma paz plena e duradoura enquanto não olharmos para a questão das desigualdades dentro das nações, e entre os povos e as nações. Então, no mundo de profundas desigualdades, é muito difícil que alcancemos a paz. É preciso que a gente relacione essas coisas pra ter um quadro mais amplo do que acontece hoje no mundo.

 

ACOMPANHE!

RÁDIO OPINIÃO

Com Adalberto Júnior

De segunda a quinta, às 7h45, na Universidade FM (106,9 MHZ)

Operação: Maira Nogueira

Participe pelo WhatsApp (98-91819570) (98) 3272-8106 #JRU

Confira UNIVERSIDADE FM no Spotify | Deezer | Google Podcasts | Amazon Apple Podcasts

São Luís – MA

2023

COMPARTILHAR.

ESCREVA UM COMENTÁRIO