Ministério Público do Maranhão lança a obra “O Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão” e propõe reflexões

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obra -O Caso dos Meninos Emasculados

Registro importante para que o acontecido não se perca e caia no esquecimento

Reportagem de Borges Júnior

Você deixa o seu filho menor sob os cuidados de um parente ou com alguém do convívio familiar e de repente descobre que ele foi vítima de abuso sexual.

O fato que pode parecer pouco provável é mais comum do que se possa imaginar. Os abusadores, na maioria das vezes, agem sem levantar suspeitas, podendo ser um membro da família ou responsável pela criança; alguém que ela conhece, no qual confia e com quem, em muitas ocasiões, tem uma estreita relação afetiva. Afeição que pode se tornar em pesadelo e destroçar uma vida, deixando marcas físicas e psicológicas que podem durar para sempre.

Abusos, Triste Constatação, Medo, Enfrentamento

Lucas de Jesus Reis matou a enteada

Lucas Reis teria abusado sexualmente e asfixiado a enteada

O caso recente, em que Lucas de Jesus Reis, de 19 anos, é suspeito de ter matado a própria enteada, uma criança de um ano de idade, ilustra bem essa situação.

O episódio aconteceu, no dia 10 de maio, deste ano, no bairro Cidade Verde, em São José de Ribamar, Região Metropolitana de São Luís.  O suspeito teria abusado sexualmente e asfixiado o bebê.

A delegada Rosa Maria, da Delegacia do Maiobão (na Grande Ilha), informou que o padrasto disse à polícia que a criança havia sofrido uma queda da cama quando os dois estavam a sós em casa. Mas, esses argumentos foram derrubados pelos trabalhos do legista responsável pelo caso. “Segundo informes do legista, o laudo aponta morte por asfixia e ainda suspeita de abuso sexual. O padrasto foi preso e autuado em flagrante”, esclareceu a delegada.

Neste cenário de violência, é importante que se saiba que a violência sexual pode acontecer tanto na forma de abuso sexual quanto de exploração sexual. O abuso é caracterizado pelo uso de uma criança ou adolescente na prática de qualquer ato de natureza sexual, geralmente praticado por alguém do convívio familiar ou social, conforme citado no início desta reportagem.

No caso da exploração sexual, as crianças são utilizadas comercialmente por aliciadores, agenciadores, facilitadores e demais pessoas que se beneficiam financeiramente da exploração sexual delas.

No enfrentamento a esse tipo de delito, o dia 18 de maio, foi instituído anualmente, por meio da Lei Federal número 9.970/2000, como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data tem por objetivo mobilizar a população brasileira para o engajamento contra a violação dos direitos de crianças e adolescentes.

Uma resposta ao crime aterrador, acontecido no estado do Espírito Santo, praticado contra a menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de 8 anos de idade, que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada. Seis dias após o delito, o corpo da garota foi encontrado carbonizado e os agressores: jovens de classe média alta, foram identificados, mas nunca responderam pelo crime. O episódio, que ficou conhecido como “Caso Araceli“, aconteceu nessa mesma data, em 1973, há 45 anos.

Artenira Silva - Pós-doutora em Psicologia e Educação, professora

O filho não é um objeto que você possa violentar de qualquer forma (Artenira Silva, Pós-doutora em Psicologia e Educação)

Em virtude do acontecido, no dia 18 de maio, ações se multiplicaram país a fora com o intuito de chamar a atenção para essa mazela que recai sobre nossa sociedade. Quem se posicionou contra essa brutalidade e abraçou a causa foi o Ministério Público do Maranhão (MPMA) que, em alusão ao momento, promoveu a Jornada de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Iniciativa que vamos conhecer, mais profundamente, ao longo desta reportagem.

Dados recentes da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes revelam que a cada 24 horas, pelo menos 320 crianças e adolescentes são vítimas de abusos. O estudo mostra ainda que 70% dessa parcela da população são vítimas de estupro. Para a Pós-doutora em Psicologia e Educação, professora Artenira Silva, com atuação em diretos humanos e coordenadora geral do Observatorium de Segurança Pública da Universidade Federal do Maranhão, “nós podemos chamar a atenção para alguns aspectos dessa pesquisa. Entre eles se a população maior, como alvo desses estupros, certamente, quase 90%, vão ser de meninas. Então teremos uma dupla condição de objetificação da criança”.

A psicóloga observa ainda que o estudo levanta alguns questionamentos: por que isso acontece? Por que que esses estupros vão acontecer predominantemente no ambiente doméstico?

A resposta para tais indagações, segundo Silva, se dá porque apesar de já estarmos em 2018, seguimos em uma conjuntura sociocultural, que reafirma valores machistas e patriarcais. Valores que consideraram crianças, adolescentes e mulheres (meninas) como objetos. “Ela (a conjuntura sociocultural) conjuga aspectos de objetificação, como sujeitos de segunda linha, ‘infravalorados’ que são objetos do homem adulto dentro deste ambiente”, explica.

Ainda tomando como referência os dados da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Silva observa que nesse universo de 70% dos estupros, a maior parte das vítimas são crianças e adolescentes meninas. Um percentual muito significativo que gira em torno de 80% e 90%. “E isso vem da percepção de que crianças e adolescentes são objetos de seus pais e não são sujeitos de direito conforme preconiza o ECA”, avalia a especialista.

A psicóloga sugere que o problema estaria relacionado ao ser pai ou mãe. Acredita-se que essa condição conceda aos pais, ainda que de forma equivocada, o direto de educar como acharem mais conveniente. Quando na verdade não é. Existem pressupostos de parentalidade, preconizados no ECA, mas que não são levados em consideração, no tratar com o filho. Silvia reafirma que tal comportamento foi construído “culturalmente, por isso, acreditamos que crianças e adolescentes podem e devem ser sujeitadas. Existe um silenciamento social em relação a essas situações”.

Comportamento que poderá ser entendido a partir da seguinte situação: digamos que você esteja em um espaço público e de repente observa que uma mãe ou um pai ‘beliscou’ ou ‘bateu’ no filho. Ao perceber tal situação, você lança um olhar de reprovação. Diante do acontecido esse pai ou essa mãe ao perceber, responde: o filho é meu! Eu educo como achar melhor.  Contudo, diante do que está estabelecido em lei, não seria esse o comportamento mais adequado. O ECA deixa claro que “apesar de ser filho, existem deveres parentais, inclusive de proteção absoluta aos direitos daquela criança ou adolescente. “O filho não é um objeto que você possa violentar de qualquer forma”. Tomando como base esse fato, a psicóloga ressalta que estaríamos diante de um “grande ponto de reflexão: a criança e o adolescente como objetos sujeitados aos adultos”.

Diálogo e Punições como Alternativa à Violência

Como alternativa, a especialista sugere o diálogo. Ela acredita que a forma mais eficaz e eficiente, no intento de se educar ou punir uma criança, na condição de tentar educá-la, seria a implementação de “castigos”. Punições que devem ser aplicadas, a depender da faixa etária da criança. Esses “castigos”, segundo a psicóloga, estariam associados à retirada, por um determinado momento, de uma atividade ou objeto que a criança ou o adolescente valorizem. Contudo, esse tempo jamais poderá ultrapassar o que se compreenda como razoável. A especialista explica que “se o tempo for muito prolongado, o indivíduo acaba se habituando à ausência daquilo que lhe foi retirado, gerando menor capacidade pedagógica ao que foi aplicado como punição”, pondera.

Ainda de acordo com a psicóloga, os pais devem associar aos “castigos”, o objeto que levou a criança ou o adolescente a cometer o erro, no intento de fazê-la refletir. Por exemplo, “se riscou a parede com lápis ou caneta, ela precisa ajudar o adulto a limpar, o que efetivamente foi sujou por ela, para que essa criança entenda que essa ação não é correta”, esclarece. Outro “castigo” seria a “retirada de um brinquedo, um tempo sem ver televisão ou algo de que ela goste. Sem esquecer que a faixa etária deve ser levada sempre em conta. Criança menor de seis, o castigo deve durar algumas horas”.

Em relação ao adolescente, Silvia esclarece que a punição pode ser associada à retirada de um celular por dois a três dias, dependendo da circunstância que se quer levar à reflexão. “Isso, acaba por definir uma condição pedagógica do certo ou errado muito mais eficiente do que qualquer utilização de violência contra essa criança ou esse adolescente. Mas, sem deixar de lado a interação afetiva”, alerta.

Entretanto, para que as “punições” surtam o efeito esperado é preciso que se  associe duas vias: “a retirada de um objeto ou de uma circunstância ou atividade que a criança ou adolescente efetivamente goste”, mas sem esquecer que “é preciso manter com eles, uma relação afeto-relacional significativa para que, o que se busca ensinar por meio do castigo tenha maior eficácia”, esclarece.

O Perfil das Vítimas

Em outro levantamento, que toma como base o ano de 2017, o Governo Federal, traçou o perfil das vitimas de abusos e exploração sexual e constatou que 67,7% são meninas.

No caso dos garotos, eles somam 16,52%. Situações em que o sexo não foi informado equivalem a 15,79%. Em relação a faixa etária, 40% tem de 0 a 11 anos; 30,3% de 12 a 14 anos e; 20,09% de 15 a 17 anos.

A pesquisa constatou ainda que o grupo dos agressores, em 62,5% dos casos são constituídos por homens adultos com idades que variam de 18 a 24 anos.

Convívio com o Medo e o Silêncio

Quando o abuso não está sendo cometido por um ente próximo, porque em geral está, é preciso que se considere alguns aspectos. Primeiro a fixa etária da criança, que quanto mais nova for, mais terá a impressão de que foi ela quem fez algo errado e então se culpará pela situação de abuso.

Isto porque, ela não entende a situação como abuso, mas como ativa contribuinte desse abuso. Então, na maioria das vezes, a criança silencia diante do acontecido, justamente, por não perceber a violência ou porque se sente culpada pelo comportamento transgressor do adulto.

Outro motivo para o menor se manter calado, segundo a especialista, seria o fato de esses abusos acontecerem em ambiente doméstico. “Ele é perpetrado por alguém do convívio dos pais das crianças. Então em muitas situações quando a criança é um pouco mais velha, ela também não conta. Isso porque entende que os adultos não vão acreditar nela e sim na palavra do adulto violador. Isso é muito comum as crianças me relatarem em consultório”.

Estamos diante de dois componentes a serem considerados: o sentimento de culpa e contribuição para o abuso que muitas crianças e adolescentes possuem e o fato de serem abusos cometidos por pessoas próximas que detêm um nível de respeito e estima em relação aos pais. Então, “na possibilidade de não acreditarem na palavra daquele indivíduo, por se tratar de uma criança ou de um adolescente, em detrimento da palavra de um outro adulto que frequenta a minha casa, o menor acaba se calando e se distanciando”, explica Artenira Silva.

O terceiro ponto citado pela especialista estaria relacionado a vergonha da própria situação. “Uma criança mais velha ou na adolescência já tem a percepção clara de que aquilo é um abuso, mas é um abuso que vai estigmatizá-la socialmente. Então, ela não fala por temer a retaliação social que isso define, uma vez que ela assume um abuso desse porte”.

Enfrentamento à Violência Infanto-Juvenil

Delgada - Ana Zélia Gomes“Essa criança ou esse adolescente que sofre algum crime, em algum momento ele pede socorro” (Ana Zélia Gomes, Delgada Titular da DPCA)

No Maranhão, uma Rede de Proteção atua para assegurar a integridade física e psicológica das crianças e adolescentes, entre estes órgãos estão: Ministério Público, Judiciário, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), além da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) sob a titularidade da delgada, Ana Zélia Gomes.

Dados da DPCA mostram que de janeiro a maio, deste ano, já foram contabilizados 121 inquéritos de crimes variados e que entre os casos mais frequentes estão o estupro, lesões corporais e maus-tratos. A delegada explica que em média são registradas 20 ocorrências, na DPCA, diariamente. Contudo, ela é enfática ao afirmar que “esses números são bem maiores, pois existem registros que são feitos em outras delegacias e depois encaminhados a DPCA”.

A delegada observa ainda que “a família tem procurado mais a delegacia, porque esse é um crime que acontece, geralmente, no íntimo familiar, no cotidiano dessa criança e desse adolescente. Só precisa desse primeiro passo da família, em trazer à delegacia ou através do disque denúncia alguma violação ao direito, algum cometimento de crime contra a criança ou adolescente”.

Segundo Zélia Gomes, parte do aumento no número de denúncias está relacionado ao acesso à informação, o papel da mídia e a atuação da polícia. “Não é que os casos tenham aumentado. Foi a família que tem se posicionado de forma diferente. Acredito que a informação, a mídia e a atuação da polícia têm encorajado essas famílias a buscarem ajuda para essas situações. Porque são temáticas que hoje em dia já são levadas e colocadas no seio familiar de uma forma mais aberta. Então, isso encoraja a família e a escola a trazerem esses relatos de abusos, maus-tratos e lesões corporais contra a criança e o adolescente”.

Em relação ao procedimento para que se apure um caso de violência, a delegada explica que “é registrado um boletim, o menor é encaminhado ao Centro de Perícia especializado em criança e adolescente, que funciona no próprio complexo da DPCA, onde é feito o exame físico e psicológico. Passado esse primeiro momento, vamos em busca de outras provas, realizamos oitivas de familiares, idas até o local do ocorrido”, esclarece. Ela explica também que a execução dos trabalhos conta com o “apoio da perícia e do levantamento dos investigadores de polícia”.

Levantamentos da DPCA mostram que os anos de 2016 e 2017 se encerraram com média de 440 inquéritos; um aumento equivalente a 45%, quando comparados a 2012. A delegada acredita que essa média deve se manter este ano. “Para 2018 deve seguir essa média, com um registro anual de boletins de mais de 2000 ocorrências”.

Zélia Gomes faz um alerta que deve servir a todos, mas principalmente, às famílias e as pessoas que convivem com crianças e adolescentes: “Essa criança ou esse adolescente que sofre algum crime, em algum momento ele pede socorro. Da maneira dele, mas ele pede socorro. Então é ficar atento, acompanhar realmente esse menor, ter acesso às redes sociais, saber a que tipo de informação ele está exposto, com o objetivo de evitar a prática de crimes ou então cessar essa prática por meio da denúncia formalizada e o inquérito policial instaurado para que vá a justiça e esse agressor seja punido.

Sinais que podem indicar o Abuso sexual

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Você saberia como identificar o abuso sofrido por uma criança?

Para tal questionamento mais uma vez, a psicóloga Artenira Silva alerta que “é preciso estar atento à faixa etária de que se está falando”. Então, atenção as observações que seguem, pontuadas pela especialista.

Uma criança, na primeira infância, sinalizará que está sofrendo situações de abuso por comportamentos como: alterações de ciclos de sono, terror noturno, acordar tendo pesadelo, começa a rejeitar contato físico (antes era uma criança afetuosa, mas agora rejeita o abraço, até mesmo de uma pessoa muito próxima a ela), passa a apresentar o comportamento de tensão e medo na presença de determinadas pessoas do âmbito familiar e normalmente na presença do abusador ou de pessoas ligadas a ele.

A criança apresenta ainda queda no rendimento escolar (atenção, concentração e capacidade de memória são comprometidos). Quando se trata de uma criança um pouco mais velha é também muito comum apresentarem comportamentos agressivos e violentos, que definem claramente que eles estão deslocando a raiva da sugestão de um determinado contexto para outro contexto. As situações postas, de acordo com a psicóloga, “são comportamentos sinalizadores de que uma criança ou adolescente está sofrendo abuso”, enfatiza.

Diante desse comportamento padrão, Artenira Silva sugere a busca de uma aproximação por parte dos pais com os filhos. “Ao perceber alterações de comportamento da criança ou do adolescente, os pais devem tentar se aproximar e, buscar um diálogo com o filho, reafirmando que ele está percebendo que o filho não está bem. Os pais devem questionar se existe algo errado e reafirmar a confiança que a criança e o adolescente precisam ter, além do apoio incondicional, que eles darão ao filho independentemente do que esteja acontecendo”.

Caso não surta efeito e o filho continue bloqueado, a psicóloga afirma que nesse momento seria “necessário se buscar ajuda de um profissional especializado. O que não implicaria no fracasso materno ou paterno. Ou até mesmo que a criança diante da complexidade de sentimentos, não tenha amor, afeto ou confiança nesse pai ou nessa mãe”.

Apenas em 2017, o Disque 100 registrou mais de 22,3 mil denúncias de violação dos direitos sexuais de crianças e adolescentes, no Brasil inteiro.

Os Meninos Emasculados

Outro episódio, de violência contra crianças e adolescentes que chocou o país e ganhou repercussão internacional, foi o “Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão” que teve como o principal acusado, o mecânico Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, considerado o maior serial killer do Brasil. Ele vitimou 42 meninos, sendo 30 vítimas no Maranhão e 12 no estado do Pará. Na ocasião, os crimes foram denunciados por Organizações Não-governamentais Maranhenses (ONGs) à comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Os delitos tinham características semelhantes, ou seja, faixa etária entre 10 e 15 anos de idade das vítimas, mesma área geográfica e o ponto cruel, a emasculação (extirpação da genitália externa masculina: pênis e escroto com o conteúdo (testículos)).

Para cometer os assassinatos, o criminoso atraía os meninos para a mata fechada, chamando-os para brincar ou fazer algum lanche. A partir daí, começava o ritual macabro, matando e emasculando as vítimas. Durante a barbárie, o criminoso decepava outras partes do corpo dos menores, como dedos, e levava com ele como recordação. Em alguns casos, também, cometeu estupro. Os assassinatos foram cometidos de 1989 a 2003, quando Chagas foi preso e, condenado a 580 anos e 10 meses de reclusão.

Francisco das Chagas

chagas022Aos 21 anos de idade, Francisco das Chagas teria começado a cometer assassinatos

De olhar manso, pele morena clara e o corpo franzino, de apenas 1 metro e 62 centímetros de altura. O biotipo de Francisco das Chagas, em nada parece assustar. Mas, não se engane, ele entrou para a história do Brasil como o maior assassino em série (serial killer) do país.

Nascido no interior do Maranhão, em 1965, depois de abandonado pelo pai e ter perdido a mãe quando tinha quatro anos, passou a ser criado pela avó, uma mulher rude e violenta. Chagas trabalhava vendendo bolos na rua – e apanhava sempre. Chegou a morar com uma mulher, com a qual teve duas filhas. Aos 21 anos, teria começado a cometer assassinatos.

Crimes virtuais e duas prisões no Maranhão

Mais recentemente, o Brasil se pôs estarrecido diante de crimes praticados contra crianças e adolescentes, no meio virtual. O delito cresceu de forma assustadora, nos últimos anos, por conta das facilidades encontradas pelos criminosos, na internet.

No enfretamento a essa prática, uma megaoperação foi deflagrada pelo Ministério da Segurança Pública contra a pornografia infantil, na quinta-feira (17), quando 251 pessoas foram presas em flagrante, durante a “Operação Luz na Infância 2”, que contou com a atuação de 2.600 polícias civis e foi considerada a maior operação de combate à pedofilia, da história do país. A ação alcançou 24 estados e o Distrito Federal, apenas os estados do Rio Grande do Norte e o Paraná ficaram de fora. Entre os presos estavam pessoas que conviviam normalmente em sociedade sem levantar suspeitas. Houve também quem tivesse mais de 750 mil arquivos com pornografia infantil.

Essa foi a segunda fase da operação, que foi deflagrada pela primeira vez, em 20 outubro de 2017, quando mais de 100 pessoas foram presas por compartilharem fotos e vídeos de menores de idade. Os investigadores utilizaram material apreendido na primeira fase para chegar aos endereços dos criminosos que foram presos em flagrante, na etapa atual.

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Carvalho Silva Campos, 24 anos>

 

No Maranhão duas prisões foram executadas, uma na cidade de Imperatriz, a cerca de 630 quilômetros de São Luís, onde a polícia prendeu o técnico em informática, Ozeias de Sousa Campos, 34 anos.

A outra prisão aconteceu na capital maranhense onde foi detido o estudante Gustavo Carvalho Silva Campos, 24 anos. Nas residências de ambos, a polícia encontrou vídeos e fotos de pornografia infantil.

Contudo, os dois presos já estão em liberdade. O delegado responsável pela operação no Maranhão, Odilardo Muniz, informou que como os detidos apenas armazenavam o conteúdo, foi arbitrada fiança de R$ 3.000 e poderão responder pelo crime em liberdade. “Fez o pagamento da fiança e já teve o alvará concedido. O pagamento da fiança foi feito em instituição bancária”, explicou o Delegado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê pena de 1 a 4 anos de prisão para armazenamento e compra de fotos, vídeos ou material desse tipo. No caso de compartilhamento de 3 a 6 anos de detenção.

Sob o Olhar Vigilante do MPMA

formação da mesaFormação da mesa com autoridades para início dos trabalhos da jornada

Para fazer cumprir o que está estabelecido em Lei, o MPMA se mantém sempre atento e cauteloso, atuando de forma decisiva para resguardar o direito dos cidadãos. Tanto que na sexta-feira, 18, promoveu a Jornada de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, alusiva ao 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes. O evento aconteceu no auditório da Procuradoria Geral de Justiça, em São Luís, na Avenida Carlos Cunha, bairro Calhau.

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Atentos aos debates, participantes lotaram o auditório da Procuradoria Geral de Justiça durante a Jornada promovida pelo MPMA

Em 2018, mais de 90 Promotorias de Justiça receberam o material de divulgação sobre o tema. Iniciativa que anualmente promove uma série de atividades, nessa data.

assinatura do documentoRecomendação conjunta foi assinada por representantes da Procuradoria Eleitoral, MPT e MPMA

A abertura dos debates foi marcada pela assinatura de uma Recomendação Conjunta do Ministério Público do Maranhão, Procuradoria Regional Eleitoral e Ministério Público do Trabalho a respeito do trabalho infantil na campanha política e eleições de outubro de 2018. O documento foi assinado pelo Procurador-Geral de Justiça, Luiz Gonzaga Martins Coelho; pelo Procurador Regional Eleitoral Pedro Henrique Oliveira Castelo Branco; e o Procurador-Chefe do Ministério Público do Trabalho no Maranhão, Luciano Aragão Santos. “Assinamos essa Notificação Recomendatória Conjunta, com o objetivo de inibir a utilização do trabalho infantil, em campanha política. Especialmente já considerando que existem inquéritos, no Ministério Público do Trabalho que contêm provas da ocorrência dessa prática em eleições passadas, explicou Luciano Aragão Santos ao destacar a importância da assinatura do documento.

Sandro Carvalho Lobato de Carvalho“O combate à violência contra crianças e adolescentes é uma função exercida diuturnamente pelos membros do Ministério Público” (Sandro Carvalho Lobato de Carvalho, Promotor de Justiça)

Como o momento era de se mobilizar no engajamento contra a violação dos direitos de crianças e adolescentes, o coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOp-IJ), Promotor de Justiça, Sandro Carvalho Lobato de Carvalho, lembrou do crime bárbaro ocorrido no estado do Espírito Santo, que tirou a vida da menina Araceli e fez referências, também, ao caso dos meninos emasculados, ocorrido no Maranhão. “Casos como esses precisam ser lembrados para que possamos combater e evitar outras situações de violência. E o combate à violência contra crianças e adolescentes é uma função exercida diuturnamente pelos membros do Ministério Público”.

chico_gonçalves“O governador Flávio Dino encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto, tornando vitalícia a pensão às famílias dos meninos mortos” (Francisco Gonçalves, Secretário Titular da Sedihpop)

A colocação do Promotor de Justiça, Sandro Carvalho Lobato de Carvalho foi reforçada pelo Secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), Francisco Gonçalves, quando discorreu sobre, o caso dos meninos emasculados, que levou o estado do Maranhão a reconhecer a responsabilidade na violação dos direitos humanos e a desenvolver ações de educação, além do reforço de políticas públicas, no enfrentamento a essa prática criminosa. O secretário informou ainda que “o governador Flávio Dino encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto, tornando vitalícia a pensão às famílias dos meninos mortos, que inicialmente seria paga por apenas 15 anos, além de atualizar o valor”.

Nesse contexto o governo do estado, por meio da Secretaria de Cidades, também busca recuperar e formalizar a titularidade das casas construídas para as famílias, como parte das medidas indenizatórias estabelecidas no acordo firmado junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).

obra -O Caso dos Meninos EmasculadosA obra “O Caso dos Meninos Emasculados”

Outras atividades movimentaram a Jornada de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Entre elas, esteve o lançamento do livro “O Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão”. Organizada pelo Promotor de Justiça, Diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais, Marco Antônio Santos Amorim, a obra é uma referência clara e detalhada ao caso dos meninos emasculados, entre os anos de 1991 e 2003, quando o Maranhão foi cenário de uma sequência de crimes, praticados pelo mecânico Francisco das Chagas cujas vítimas eram meninos entre 09 e 15 anos de idade, conforme já foi citado nesta reportagem.

O livro faz parte do plano editorial do Programa Memória do MP, além de ser parte da comemoração pelos 30 anos da Constituição Federal. O Procurador-Geral de Justiça, Luiz Gonzaga Martins Coelho, pontuou que “o caso dos emasculados marcou de forma muito dolorosa a sociedade maranhense. Então, estamos lançando esse livro, que retrata esse crime brutal, com todos os detalhes. Muitas vítimas foram molestadas sexualmente pelo Serial Killer (Francisco das Chagas) e nós precisamos deixar esse registro histórico para que isso jamais volte a acontecer em nosso estado”, enfatizou. A obra será distribuída, gratuitamente, pela Biblioteca do MPMA e terá uma versão eletrônica.

Promotora de Justiça Geraulides Mendonça Castro“Independentemente da denúncia, precisava haver um desfecho para isso, se não ainda teríamos corpos sendo encontrados” (Geraulides Castro atuou na investigação do caso dos emasculados)

Entre os investigadores que atuaram nesse caso estava a Promotora de Justiça Geraulides Mendonça Castro que participou de um painel coordenado pelo Promotor de Justiça Sandro Lobato. Diante da denúncia feita à OEA, a Promotora explica que foi montada uma força-tarefa para elucidar os crimes. “Foi o Centro de Defesa Padre Marcos Passerini que começou a catalogar os casos, identificando a existência de características semelhantes. O Brasil tinha sido denunciado na Comissão Interamericana de Diretos Humanos, então montamos uma força-tarefa. Mas, independentemente das denúncias, nós tínhamos por ano, dois cadáveres. E cadáveres de crianças e adolescentes mortos de uma forma cruel”. Recorda a Promotora, enfatizando que “quando se tentava buscar a vida, você via que não havia uma vida arriscada, eram crianças trabalhadoras. Eram crianças que estavam nas ruas por uma necessidade familiar para complementar uma renda familiar”. “A rua era um risco”, mas de acordo com a Magistrada “as crianças não viviam naquela situação de um comportamento de risco. Era um comportamento normal”.

“Então independentemente da denúncia, precisava haver um desfecho para isso, se não ainda teríamos corpos sendo encontrados”, avaliou.

Geraulides Mendonça Castro esclarece ainda que “Francisco das Chagas era um psicopata, que agia dissimuladamente. Você não tem como identificar no primeiro crime. Infelizmente o psicopata serial quando chega a ser identificado o estrago já foi grande. Então, a importância disso, em um primeiro momento foi justamente identificar a autoria, levar punição a esse crime e não permitir que aconteça mais”.

Fato que, segundo a Promotora de Justiça, não voltou a se repetir até o momento. “Você pode observar que de 2003 para cá, você não tem mais meninos mortos e emasculados. Na época surgiram muitas teorias, mas ele matava isoladamente, porque ninguém permanece em silêncio durante 15 anos. A identificação foi positiva no sentido de a gente não ter mais essas atrocidades sendo cometidas”, desabafou.

O aspecto emocional, de acordo com Geraulides Mendonça Castro, foi um dos pontos mais difíceis, em meio, aos trabalhos de elucidação dos crimes. “Você tem um componente emocional muito grande porque você não está vendo só papéis. Você ver papéis, meninos, adolescentes e famílias destruídas. Você ver sangue. Não tem como se abstrair disso. Cada caso é um detalhe cruel e perverso daquilo tudo”. Ela observou também que “para todas as crianças, os pais são como heróis. E as crianças sendo colocadas naquela situação de vulnerabilidade física, sem a menor chance de saída, de escapatória para aquilo. Não tinha como não se reportar àquela realidade. Uma situação extremamente difícil”.

Diante do relato impactante, o Promotor de Justiça Sandro Carvalho Lobato de Carvalho, coordenador do (CAOp-IJ), reafirmou que “o Brasil não concorda e não permite que menores sejam abusados sexualmente. O crime contra crianças e adolescentes é um crime hediondo, que necessita de uma punição severa e de ser denunciado”.

O advogado e Secretário de Estado de Direitos Humanos à época (2005), Sálvio Dino, acompanhou o sofrimento das famílias dos meninos emasculados. Ele atuou como advogado e assessor jurídico da Assembleia Legislativa, que instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso.

Naquele momento havia um acordo em elaboração na OEA que era visto com desconfiança por setores do próprio governo. Mas, a prisão de Francisco das Chagas e as mudanças políticas no governo tornaram possíveis o êxito do acordo, no qual o estado do Maranhão reconheceu a sua responsabilidade.

Para Sálvio Dino “um dos pontos importantes do acordo foi o empoderamento dos Conselhos da Criança e Adolescente e de Direitos Humanos, responsáveis por acompanhar o cumprimento do documento”.

A programação da Jornada de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes contou ainda com a palestra “O Ministério Público no combate ao abuso, à violência e à exploração sexual contra crianças e adolescentes”, proferida pela Promotora de Justiça Patrícia Pimentel Chambers, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Ela explicou que diante desse tipo de delito, um dos grandes desafios, está relacionado à escuta das crianças. “Muitas vezes, falta capacitação aos profissionais diante da memória das crianças que está sujeita a perdas e a distorções. A forma como a pergunta é formulada influencia nas respostas das crianças”, observou.

Mônica Regina Ferreira mãe de uma das vitimas“A dor ainda é presente e a ferida permanece aberta” (Mônica Regina Ferreira, mãe de um dos garotos emasculados)

As atividades do evento chegaram ao fim de forma tocante.  Mônica Regina Ferreira, mãe de Daniel Ferreira, uma das vítimas, falou em nome das mães dos meninos emasculados.  Depois de agradecer ao Centro de Defesa Marcos Passerini e ao Ministério Público, que contribuíram para que se chegasse à elucidação do crime, além de lançar o livro sobre o caso (registro importante para que o acontecido não se perca e caia no esquecimento com o passar do tempo), ela afirmou que apesar da dor ainda ser presente e a ferida permanecer aberta, ela acredita que um dia a prática de violência contra crianças e adolescentes será interrompida.

Ações como as promovidas pelo Ministério Público do Maranhão, a exemplo da Jornada de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças, soam como importantes ferramentas, quando se pensa em transformação e no fim da violência contra os menores, tão almejados pela senhora Mônica Regina Ferreira. Mas, para que essa mudança possa se tornar uma possibilidade, a Pós-doutora em Psicologia e Educação, Artenira Silva, acredita que exista um débito com a população infanto-juvenil de nosso país, que precisa ser definido de forma muito categórica de pontos diversos: individual, coletivo, estatal, profissional e pessoal de cada um, para que ele seja sanado.

Por isso, a especialista defende a urgência em se abandonar valores institucionalizados. Não devemos mais tolerar qualquer que seja a forma de abuso ou violação aos direitos de uma criança ou adolescente. E a intolerância a essa prática criminosa e mudança de conduta, deverá implicar no abandonar do ‘jeitinho brasileiro’, do ‘comportamento simpático’, a que somos confrontados, cotidianamente. “Eu devo expor o que efetivamente penso e sinto, diante das violações de diretos que presencio e denunciar”, enfatiza.

A psicóloga avalia ainda que a nossa conduta individual é muita permissiva, reafirmando o comportamento dos agressores. Por isso, quando nos furtamos diante da possibilidade da denúncia, ainda que não queiramos, acabamos por proteger esses agressores. Situação que só é interrompida quando somos postos diante de fatos que extrapolam o suportável. “Só se denuncia uma situação de violação de direitos de crianças e adolescentes, quando ela atinge proporções insuportáveis para quem está presenciando”, analisa. Silvia pontua ainda que, enquanto não se chega a essa situação de extremismo, “nos mantemos omissos, na posição de cumplicidade com aquela violência”. Por isso, se faz imperativa uma desconstrução cultural, para que crianças e adolescentes, não sejam postos como objetos dos adultos.

No intuito de provocar uma reflexão, em relação a esse tipo de comportamento, a especialista toma como exemplo, a mesma situação de violência já citada, ao logo desta reportagem, em que uma mãe ou um pai é flagrado com um comportamento violento em relação ao filho, (‘beliscou’ ou ‘bateu’ na criança) em um espaço público (restaurantes, supermercados, bar ou na rua, etc.). Só que desta vez, digamos que o fato tenha ocorrido, em um país europeu. Silvia pontua que “fatalmente, esse pai ou essa mãe receberá olhares de reprovação social, alguém ligará e efetivamente realizará uma denúncia”.

O fato de termos uma sociedade ainda muito permissiva, no que diz respeito às denúncias de violência doméstica, acaba favorecendo a permanência e o crescimento da violência contra crianças e adolescentes. Por isso, se faz urgente o combate a naturalização dessa violência. Transformação que pode ser iniciada, individualmente, com cada cidadão fazendo a parte que lhe cabe diante da busca da mudança desse panorama.

Rompendo o Silêncio

Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA)

Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (Avenida Beira-Mar, Centro\São Luís)

Em São Luís, as denúncias de violência contra crianças e adolescentes podem ser feitas, diretamente, na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, que funciona na Avenida Beira Mar, Centro de São Luís ou por meio do telefone da DPCA 991053710 ou ainda pelo Disque 100 que atende todo o estado do Maranhão.

Fotos da Jornada: Ascom-MPMA

Foto Divulgação: DPCA, Delegada Ana Zélia Gomes

Fotos extraídas da Internet: Francisco das Chagas, Lucas de Jesus Reis, Imagem da Boneca

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