ENTREVISTA – IZANI MUSTAFÁ: “O rádio continua sendo o companheiro das pessoas”.

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Este mês, a historiografia registra que se comemora o centenário do nascimento do rádio no Brasil. Mas um grupo de pesquisadores e pesquisadoras contesta essa data, por meio de pesquisas acadêmicas que descobriram transmissões três anos antes, em 1919. Essas e outras questões sobre o universo do rádio são abordadas nesta entrevista pela professora Izani Mustafá, como a força dos novos produtos em áudio, o cenário das pesquisas em mídia sonora no país. Jornalista de profissão, professora do curso de Jornalismo e do mestrado em Comunicação da Ufma Imperatriz, pesquisadora e integrante de grupos de pesquisa e de entidades que reúnem pesquisadores, ela defende que, ao contrário do que se pode pensar, o rádio não perdeu força com a chegada da internet – muito pelo contrário!

Região Tocantina – Quantos anos tem a história do rádio no Brasil?

Izani Mustafá – Para ser direta, 103 anos quando consideramos que a Rádio Clube de Pernambuco iniciou as transmissões radiofônicas em 6 de abril de 1919. Como nós pesquisadores entendemos que a história está sempre em movimento e deve ser sempre revisitada, vários pesquisadores que estavam participando do XII Encontro Nacional da História da Mídia, em Natal/RN, organizado pela ALCAR – Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia, referendam essa data como a inicial da radiodifusão no País. E isso foi baseado em dados apresentados por pesquisadores como Luiz Maranhão Filho (UFPE) e Pedro Serico Vaz que alertaram sobre o pioneirismo da então Rádio Club de Pernambuco na transmissão sonora a distância – de um ponto de transmissão para vários pontos. E essas informações estão em jornais como a Imprensa Oficial e o Diário de Pernambuco. Durante a Alcar Nacional, em 20 de junho de 2019, vários pesquisadores assinaram a Carta de Natal.

Região Tocantina – Por que existem essas diferenças históricas?

Izani Mustafá – Porque estamos atentos às novas pesquisas que vão surgindo. Um documento, um registro podem alterar o curso da história que tínhamos como verdadeira. Durante muitos anos consideramos o marco do início do rádio no Brasil o dia 7 de setembro de 1922 porque nesse dia, durante o centenário da Independência do Brasil, as indústrias de transmissores e receptores de som dos Estados Unidos Westinghouse International Company e a Western Eletric Company realizaram uma demonstração pública, dentro da Exposição Internacional do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Naquele dia, centenas de pessoas acompanharam as primeiras transmissões, pelos alto-falantes instalados no Corcovado e na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Mas se observarmos o acontecimento, se tem clareza de que as empresas pretendiam vender transmissores e receptores ao Brasil e, enquanto isso, no Nordeste, já havia uma emissora fazendo transmissões. E quem garante que não existiu uma outra rádio antes da Clube de Pernambuco?

Região Tocantina – Como estão as pesquisas sobre rádio no país?

Izani Mustafá – Estão excelentes, o rádio atrai ouvintes e muitos deles se tornaram pesquisadores. Temos pesquisadores que são referências para quem está chegando. Dentro da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom existe o Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora há 31 anos e costumamos dizer que é o guarda-chuva dos demais grupos que existem na ALCAR – Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia, o Grupo Temático História da Mídia Sonora e a Rede de Pesquisa de Radiojornalismo (Radiojor) da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). E conquistamos mais dois espaços: na Compós – Associação Nacional de Pesquisadores de Pós-Graduação em Comunicação e na Alaic – Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación. Somente no Brasil são cerca de 170 pesquisadores de rádio, mídias sonoras, áudio e podcasts em todas as regiões e dentro de universidades públicas, principalmente. Que se encontram nos eventos científicos, publicam em revistas e livros seus trabalhos, produzem pesquisas coletivas que resultam em obras que se tornam referências na área e mantêm contato e troca de informações por uma lista de e-mail e num grupo de WhatsApp.

Região Tocantina – Qual é a posição do rádio em relação às demais mídias?

Izani Mustafá –  Conforme a pesquisa mais recente da Kantar Ibope de 2021, 80% da população ouve rádio nas 13 regiões metropolitanas pesquisadas no Brasil. E cada um ouve em média 4 horas e 26 minutos, sendo que essa escuta se dá principalmente em casa (71%), no carro (24%), em outros locais (10%), no trajeto (8%) e no trabalho (2%). Portanto, o rádio continua sendo o companheiro das pessoas, principalmente para aquelas que moram em regiões rurais no interior e nas regiões ribeirinhas. Além disso, em relação às demais mídias, é o veículo mais acessível, barato e democrático. Com um rádio de pilha, pelo celular, você sintoniza uma rádio. Pela internet, com um computador ou notebook, você tem acesso a rádios do mundo inteiro. Ele é abrangente e a fala é compreendida por todos. Não precisa ser alfabetizado para ficar informado, ter acesso ao entretenimento e à música, por exemplo.

Região Tocantina – O rádio conseguiu se adaptar ao mundo virtual/digital?

Izani Mustafá – Sim, com certeza. O rádio é o veículo de comunicação que se apropriou muito bem das possibilidades que a internet ofereceu a partir de seu surgimento, em 1995. A rádio que só transmitia em ondas hertzianas passou a transmitir on line. A chegada de novos suportes e novas tecnologias reconfigurou o rádio, que pode ser ouvido pelo celular, que é o radinho de pilha do século 21. O rádio é expandido (KICHINHEVISKY, 2016) porque pode ser ouvido no computador, no Ipad, na TV paga, por aplicativos, nas redes sociais e dentro das plataformas de streaming no formato de podcast, cujo ouvinte ouve o conteúdo sob demanda.

Região Tocantina – Quais as principais transformações que o rádio apresenta hoje?

Izani Mustafá – Eu costumo dizer que as transformações mais recentes foram a chegada da internet que levou o rádio para as transmissões on line e o celular que contribuiu para que o rádio ficasse mais dinâmico e abrangente. Numa rádio informativa, o repórter pode entrar ao vivo na programação utilizando apenas o celular. A informação será dada com qualidade se o repórter for competente. Se no passado tínhamos os receptores em Ondas Curtas que sintonizam rádios de outros países, hoje é possível pela internet.

Região Tocantina – E qual é o futuro desse meio de comunicação?

Izani Mustafá – Acredito que neste momento as nossas discussões estão focadas na função social do rádio e no conteúdo que está sendo produzido pelas emissoras. Também precisamos rever a legislação do rádio que é defasada e não dá conta do que estamos observando no dial. Mas tudo isso não invalida a importância do rádio como companheiro, como um veículo que leva às pessoas informação e entretenimento. Claro, nem sempre verificamos a qualidade educativa que o pai do rádio Roquette-Pinto sonhou para essa mídia.

Região Tocantina – Qual é o papel do rádio nos cursos de Comunicação brasileiros?

Izani Mustafá – O áudio é imprescindível em cursos de Comunicação. A explosão de produção de podcasts tem atraído a atenção dos jovens. E quando estamos em aula de Rádio, sempre perguntamos quem ouve rádio. Muitos dizem que ouvem apenas podcasts. Então é a nossa vez de dizer: o podcast é resultado do rádio. É áudio que utiliza vários formatos e gêneros que existiram e existem no rádio. Então, ensinar a produzir conteúdo radiofônico para ser transmitido em uma rádio hertziana e on line ou para ser inserido numa plataforma de streaming e compartilhado numa rede social é muito importante. A Rede Globo não criou uma plataforma própria para disseminar podcasts produzidos por empresas do grupo? Então, ensinar a fazer rádio, trabalhar com áudio e mídias sonoras é atual. E se observarmos apenas o curso de Jornalismo da UFMA, campus Imperatriz, todos os semestres temos estudantes finalizando o curso com um TCC envolvendo pesquisa sobre essa mídia ou produzindo conteúdo radiofônico. Muitos deles são aqueles que nunca tinham ouvido rádio e se apaixonam por ele depois das aulas teóricas e práticas. E alguns seguem a carreira acadêmica desenvolvendo pesquisas no mestrado e no doutorado voltados para as mídias sonoras. Isso é gratificante e comprova que estudar o rádio é necessário.

CONHEÇA MAIS A ENTREVISTADA:

WhatsApp-Image-2022-09-22-at-18.56.47-1-768x946Izani Mustafá. Jornalista por formação e professora adjunta da Graduação e da Pós-Graduação de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz. Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), coordena o Grupo de Pesquisa Rádio e Política no Maranhão (RPM), cadastrado no CNPq, e é diretora regional Nordeste da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia. É também integrante e pesquisadora do Grupo Rádio e Mídia Sonora da Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, da RUBRA – Rede de Rádios Universitárias do Brasil, do Núcleo de Estudos de Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Grupo de pesquisa Convergência e Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Pesquisa rádio, radiojornalismo, rádios universitárias, podcast e mídias sonoras.

Entrevista publicada originalmente no site Notícias da Região Tocantina.

 

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